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RESENHA: Você Morre Quando Esquecem Seu Nome

por Vitor Pamplona*

A vida urbana em uma Salvador ausente dos catálogos turísticos e distante do exotismo tropical prevalece nas histórias curtas de Você Morre Quando Esquecem Seu Nome. Em seu segundo livro de contos, Flávio VM Costa adentra sombras de uma cidade solar, curvada para uma moralidade hedonista e o azul prateado das águas da baía de Todos os Santos. Os seres que habitam esta terra da felicidade, porém, possuem existências frequentemente tenebrosas.

As oito narrativas do livro compõem um mosaico de peças afiadas, com onipresença das questões raciais. Completam o retrato deste submundo histórias sobre policiais ordinários, o assassinato de jovens negros pobres e de outros subcidadãos tanto por traficantes quanto por esquadrões milicianos, a naturalização da corrupção em todos os estratos sociais, o futebol como vetor de esperança ou simples válvula de escape e a difícil tarefa de driblar as consequências da violência em um bairro periférico para o qual, cedo ou tarde, convergem crime e morte.

Mesmo quando temporariamente se distancia da Bahia, para entrar na pele de um ídolo esquecido do lendário Santos de Pelé, ou quando narra a história pueril de um menino que queria virar goleiro, Flávio VM Costa conecta o futebol à luta pela sobrevivência, às relações humanas e às diferenças sociais e raciais. O jogo traduz sentimentos, nem sempre edificantes.

Apesar de dar voz a personagens em constante contato com a violência, o estilo narrativo de Você Morre Quando Esquecem Seu Nome não tem função aterrorizante. De uma literatura policial multifacetada e por vezes calculadamente fragmentária, ou da ficção com toques memorialistas, sobressai a fabulação. No conto que nomeia o livro, em meio a uma história de misteriosos assassinatos nas coxias da alta sociedade, remanesce uma reflexão sobre como o mundo virtual pode, de maneira imprevisível e incontrolável, engolir e digerir a vida real.

O que é falso e o que é verdadeiro nas memórias desencadeadas por um crime bárbaro? Até onde é possível escapar das próprias circunstâncias? O que as outras pessoas enxergam quando nos veem, a imagem que temos de nós mesmos ou a do lugar de onde viemos? As histórias de Você Morre Quando Esquecem Seu Nome são fábulas que ajudam a responder estas perguntas.

*Vitor Pamplona é escritor e jornalista. Escreve o blog Hora Prima.

Correio: Nova editora, Bissau Livros foi fundada por baiano

Na cobertura do lançamento do romance 2+1, de Rogério Menezes, o jornal Correio, de Salvador, entrevistou o editor da Bissau Livros, Saymon Nascimento. A entrevista foi feita pela jornalista e escritora Kátia Borges. Leia:

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Nova editora, Bissau Livros foi fundada por baiano

O jornalista Saymon Nascimento, de 34 anos, mora no continente africano há dez anos
Saymon Nascimento, 34, passou por algumas das principais redações baianas, antes de embarcar para uma experiência profissional, em 2008, em Angola. Não voltou mais ao Brasil. Há mais de dez anos em África, sempre transitando entre o jornalismo, a publicidade e a comunicação corporativa, foi responsável pela implantação do projeto de webjornalismo da Rede Angola, que ajudou a fundar, atuando ainda na Maianga Produções, em Cabo Verde, onde hoje mora e trabalha. Em paralelo, produz crítica de cinema para várias publicações independentes e para a Rede Angola. Nessa entrevista, Saymon fala sobre a criação da Bissau Livros, um projeto corajoso e que vai na contramão da crise que atinge o setor livreiro, e sobre a expectativa que cerca o romance 2+1, escrito por Rogério Menezes, que marca a estreia da editora no mercado literário.
Podemos considerar a Bissau como uma editora baiana em África?
Hoje a Bissau sou eu, então ela é sim uma editora baiana na África, mas na verdade gosto de pensar também no sentido inverso. É uma editora do mundo na Bahia. Quero levar coisas do mundo para a Bahia, sem o filtro de outros centros literários do país. A Bahia é um centro cultural sem par, então a Bahia merece ter suas próprias editoras, e não apenas para publicar baianos. Eu começo assim, publicando baianos, mas a ideia é ser uma editora com catálogo internacional.

O que o levou a criar uma editora em um momento especialmente difícil para o mercado literário e livreiro?
Pode parecer até ser algo irresponsável, mas acredito que justamente num momento difícil não adianta muito entrar num movimento em bloco de retração. Óbvio que posso me dar muito mal, mas acho que mesmo em situações adversas o interesse pela literatura permanece. É um risco, claro.

Qual a razão da escolha deste nome?
Vivo há mais de dez anos fora do Brasil, na África –  primeiro em Angola, agora em Cabo Verde. A Guiné-Bissau não deixa de ser um centro geográfico desse mundo que fala português, entre Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique, e Cabo Verde, e no entanto é o país mais ignorado de todos, inclusive por mim, que nunca fui lá apesar de viver a uma hora de voo. Bissau, o nome da capital da Guiné-Bissau, é um símbolo das minhas ambições como editor: dar visibilidade a escritores desses países que frequentemente são ignorados no Brasil.

A Bissau começa suas atividades editando dois autores baianos, qual a razão da escolha desses nomes?
Quando se começa um projeto como esse, a gente conta com o apoio dos amigos, e tanto Rogério Menezes quanto Flávio VM Costa (autor de Você Morre Quando Esquecem Seu Nome, volume de contos  a sair no início de 2020) manifestaram confiança no meu projeto e resolveram correr esse risco comigo. De qualquer jeito, acho importante começar esse projeto bem ancorado na Bahia, justamente por estar longe há tanto tempo.

Essa escolha define uma linha editorial?
Define apenas no sentido de que o foco principal da editora será literatura. São livros bem diversos entre si, um passado em lugares sem nome, como o de Rogério, e outro com os pés bem firmes em Salvador, como o de Flávio.

Nesse momento, a editora está aberta a originais. Essa abertura contempla todos os gêneros e autores brasileiros e de outros países?
Apesar das ideias que tenho para a editora, se me cair na mão um original que não se enquadre nos meus planos mas que seja muito bom, o critério da qualidade sempre será o mais forte. Não tenho qualquer problema em fazer desvios de rota.

Em relação à distribuição, como a editora pretende vencer as barreiras que impedem as pequenas empresas de colocarem seus livros em grandes livrarias e magazines?
Estou trabalhando com tiragens baixas, e investindo em lançamentos de tiro curto e na internet. É uma maneira de tentar um contato mais direto. Claro que quero vender em livrarias, mas me interessam as redes locais mais que as magazines, mais a LDM do que a Saraiva. Como leitor, sempre tento comprar no site da editora ou em livrarias locais. Acredito nesses pequenos atos de preservação do ecossistema literário, e sei que não estou sozinho.

Haverá distribuição dos livros em países lusófonos? Essa é uma ambição da Bissau?
Por enquanto é uma ambição, mas numa fase bem posterior. Preciso tentar consolidar a Bissau no Brasil. Angola tem 25 milhões de habitantes mas o mercado é minúsculo. Aqui em todas as nove ilhas habitadas de Cabo Verde há menos gente que em Feira de Santana.

Que público-alvo foi pensado como prioritário, na formatação do projeto editorial?
Tenho pensado sobretudo em atingir jovens e adultos que tenham desenvolvido um interesse por pontos de vista alternativos ao do centro do mercado. Há uma clara demanda por literatura africana, por exemplo, como atesta o sucesso recente de Kalaf Epalanga. O número de escritores que chega ao Brasil ainda é muito pouco. Esse público ainda não está satisfeito.

O livro de Rogério toca em um tema particularmente espinhoso, especialmente no Brasil atual, a pedofilia. Qual a expectativa de recepção deste trabalho?
Como editor, o que me fez publicar esse livro foi sobretudo seu virtuosismo formal, seu domínio narrativo, sobretudo na forma de lidar com o tempo, saltando o tempo todo, contando histórias em alta velocidade sem perder o fôlego, violentamente. Isso, para mim, é maior que o tema. Rogério trata dele com a seriedade devida, sem passar a mão na cabeça dos personagens, nem do leitor. Não tenho expectativa de qualquer polêmica, até porque é um assunto bem explorado na história da literatura.

Leia entrevista de Rogério Menezes ao Correio

A jornalista e escritora Kátia Borges, do Correio*, de Salvador, entrevistou o autor Rogério Menezes a respeito do seu romance 2+1, lançado pela Bissau Livros. Leia abaixo, na íntegra.

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Rogério Menezes está de volta à literatura com o romance 2+1

Publicação é a primeira da editora Bissau Livros, criada pelo baiano Saymon Nascimento

O primeiro livro de Rogério Menezes, Meu nome é Gal (Codecri), foi publicado em 1984, quando ele estava com 26 anos. O segundo, Três elefantes na Ópera (Record), quinze anos depois, em 2001. O terceiro, Um náufrago que ri (Record), chegou às livrarias em 2009. Entre os dois, o  escritor e jornalista publicou a coletânea de crônicas A solidão vai acabar com ela (Versal), em 2003, e uma série de biografias de grandes artistas brasileiros – Ary Fontoura, Walderez de Barros e Bete Mendes, entre eles – na coleção Aplauso, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, além de ser autor do essencial Um povo a mais de mil – Os frenéticos carnavais de baianos e caetanos (Scritta Editorial, 1994).

Aos 65 anos, morando na cidade de Jequié, Menezes retorna ao mercado literário com o lançamento do inquietante 2+1, que marca a estreia da Bissau Livros, editora criada pelo jornalista Saymon Nascimento, baiano que mora e trabalha em África há mais de uma década. Nessa entrevista, o autor fala sobre a relação nem sempre feliz entre jornalismo e literatura, as andanças que o levaram a viver nas cidades de Brasília e São Paulo, os desafios de escrever e, claro, o processo de criação de seu mais novo romance, que será lançado segunda-feira (14).

Além de jornalista experiente, com passagens por algumas das principais redações brasileiras, você é considerado um dos melhores cronistas do país, e detentor de uma marca surpreendente – mais de 800 crônicas, publicadas no Correio Braziliense entre 2000 e 2002. Como vê a evolução deste gênero?

Você até pode estar certa quando diz que eu sou considerado um dos melhores cronistas brasileiros.  Aos 65 anos, não tenho mais tempo para ser modesto. Mas de que adianta ser cronista-escritor bem avaliado neste país em plena desconstrução, onde somos cerca de 14 milhões de desempregadas e outros tantos milhões moram nas ruas? A crônica brasileira vai bem, obrigado; os cronistas, nem tanto. Não sei se posso falar de evolução do gênero no Brasil, e sim de perenidade. Sempre houve e sempre haverá cronistas que se disponham a olhar a vida além do próprio umbigo, mas sempre a partir de ponto de um vista pessoal e intransferível.

Parte de sua produção como cronista foi reunida, em 2003, no livro A solidão vai acabar com ela – 60 crônicas de uma Brasília desconhecida (Versal). Na época, você afirmou que aquela cidade era propícia à grande literatura. Ainda pensa deste modo? O que a torna estimulante para escritores?

Foi Brasília que me propiciou esse ‘recorde’ ao qual você se refere na primeira pergunta. Escrevi uma crônica por dia, de domingo a domingo, durante 2 anos e 5 meses no jornal Correio Braziliense. Gosto de Brasília. Fora da zona pantanosa ocupada pelos podres poderes, viceja cidade aprazível, habitada por gentes vindas de todos os cantos do país, o que permite intensa riqueza de vivências, com ótimos lugares para caminhar, pensar, e, claro, escrever. Foi lá também que escrevi meu segundo e o terceiro romances – Três Elefantes na Ópera, (2001) e Um Náufrago que Ri (2009), ambos publicados pela Editora Record. O que a torna propícia para a criação literária é a enorme solidão na qual você pode mergulhar – e solidão e grande literatura sempre rimam.

Machado de Assis dizia que a imprensa afia a pena. Você concorda? O que o levou ao jornalismo? O que levou do jornalismo para a sua literatura?

Afia e desafia. Afia no sentido de você, praticando jornalismo, ser obrigado a se submeter à disciplina rigorosa no sentido de dirigir o olhar para onde deve ser dirigido e obedecer a prazos irrevogáveis. Quem me tornou disciplinado na literatura foi o jornalismo feito no calor da hora, com a obrigação de entregar o melhor texto possível no prazo exigido. Quando escrevo um romance, eu mesmo me dou um prazo, e o dou como pronto no dia aprazado. Nunca pedi mais tempo a nenhuma editora porque o livro encomendado não ficara pronto. Desafia no sentido de que o jornalismo se jacta de ter compromisso com a verdade. A literatura, mesmo se apossando do mundo real, mente o tempo todo, inventa o tempo todo. Hoje quero escrever romances que sejam os mais ‘mentirosos’ possíveis. 2+1 não tem nada baseado em fatos. Tudo saiu de minha imaginação, tudo é invenção mais memória cerzindo bordados.

Sua produção literária inclui romances, crônicas e ensaios, além de uma série de biografias de grandes artistas. Qual o grande desafio de escrever? Como transitar entre tantos gêneros “sem perder o tom”?

O grande desafio de escrever é conseguir sobreviver. Transitei entre tantos gêneros para conseguir sobreviver. Publiquei 25 livros, boa parte sob encomenda, para pagar contas. Tentei fazer sempre o melhor, mas quem disse que eu não perdi o tom em vários desses muitos textos que escrevi? Não são livros ruins, mas só os fiz porque me pagaram, e senti certo prazer em fazê-los porque esses trabalhos me fizeram ler e pesquisar em bibliotecas, e adoro bibliotecas.

Você é autor de um povo a mais de mil – Os frenéticos carnavais de baianos e caetanos, publicado em 1994 pela Scritta Editorial. Alguém já disse que a Bahia é um estado devastado pela alegria. Como vê essas contradições?

Embora eu seja apaixonado pela Bahia, nunca me deixei abduzir pela Bahia. Com a régua e o compasso que a Bahia dá – e ninguém pode lhe tirar esse mérito – enfiados na mala, eu fui embora para São Paulo, em 1986, aos 32 anos. A Bahia é devastada pela alegria e, também, pela tristeza. A Bahia são várias. No mínimo duas: litoral e sertão. Eu sou ‘sertanejano’. O homem do sertão é diferente do homem do litoral. Tem temperamentos e comportamentos distintos. Esse livro, não chego a renegá-lo, escrevi em momento no qual era obcecado pelo Carnaval baiano, mas acho que tem mais defeitos que virtudes.

Aliás, enquanto cidadão paulista-baiano-brasiliense, apaixonado por Jequié, como se localiza hoje no cruzamento de tantas vivências de um mesmo Brasil?

Eu costumo dizer: além de ‘sertanejano’, eu sou soteropolitano, paulistano, carioca e brasiliense. Não sou apegado às minhas raízes. Sou camaleão, me transformo no lugar onde passo a morar.  Mas, de um tempo para cá, eu não me sinto pertencente a nenhum lugar, eu me sinto estrangeiro no Brasil. Meu sentimento de brasilidade se dilui cada vez mais. Sendo sincero, eu cansei de ser brasileiro, e, se ainda tiver chance, pico a minha mula dessas plagas.

Seu romance, 2+1, chega ao mercado, pela Bissau Livros, uma década após um náufrago que ri, publicado em 2009 pela editora Record. A que se deve esse longo hiato? Em sua opinião, vigora ainda certa resistência aos escritores do Nordeste? Você se considera um autor do Nordeste?

Não me considero autor de lugar nenhum. Não acho que haja resistência a escritor de lugar nenhum. Acho que hoje no Brasil há resistência ao escritor. Ponto. Venha ele de onde vier. Ser escritor no Brasil é praga bíblica. Sobre o mercado literário brasileiro eu não tenho, e nem quero ter, palavras para descrevê-lo. Esse hiato não aconteceu porque eu quis. Eu escrevi 2+1, durante 7 meses de 2012, no Rio de Janeiro, onde eu então morava, por encomenda de grande editora. O livro foi entregue no prazo, mas no dia seguinte houve mudanças na editora, e meu romance mergulhou no limbo. Desde então, enviei originais para várias, troquei e-mails com editores, e nada. Já tinha desistido, quando li postagem de Saymon Nascimento – ex-estagiário meu, brilhante, no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, em 2006 –, e agora executivo bem-sucedido em Cabo Verde, na África. Ele informava que estava criando editora. Corri atrás. Deu certo.

Um tema delicado que perpassa a trama deste livro é a pedofilia. Como foi o processo de criação do romance? O que o desafia a continuar escrevendo? Teme reações por conta dessa temática?

Embora a pedofilia perpasse toda a história, não se pode dizer que se trata de romance sobre o tema. O que tenho certeza: no plano macro, é livro sobre a condição humana e todas as ‘filias’ que nos marcam; no plano micro, é desvairada história de amor entre homem e mulher, sem melindres ou pieguices. É meu primeiro romance totalmente ‘literatura’, no sentido de não ter jornalismo algum nas entrelinhas. Tudo é inventado. Quis tecer a trama com o esmero e a delicadeza com que minha mãe bordava lençóis e meu pai fabricava pães. Reações moralistas? Talvez. O Brasil hoje é antro de atiradores de pedras. Óbvio, não escrevo sobre nada de novo. Os antigos gregos que o digam. O que me desafia a continuar escrevendo: permanecer vivo, forte, e com a cabeça sempre fora do lugar (risos).

Como vê o momento que atravessamos hoje na arte, sobretudo na literatura? Qual a importância e o lugar dos escritores na contemporaneidade? 

É um período tenebroso não só para a arte e para a literatura, mas para o futuro da raça humana. Não só o Brasil mergulha nas trevas. O mundo inteiro parece regido por um espírito camicase que nos quer levar à destruição e ao fim da espécie. Nessa conjuntura catastrofista, a literatura e as artes em geral tendem, cada vez mais, a serem tratadas com desprezo. A importância dos escritores: resistir até o osso, até o meteoro (metafórico ou não) nos dizimar.